Com 17 anos, a transexual Lorena Diógenes abandonou os estudos por causa da hostilidade no ambiente familiar decorrente do seu processo de transição de gênero. Nunca teve um trabalho regular, mas inúmeras foram as vezes em que distribuiu o currículo, com nome civil e social, na tentativa de ingressar o mercado de trabalho.
A prostituição foi a única alternativa para comprar os hormônios necessários à mudança e viver. Hoje, aos 28 anos, ela abandonou os serviços com sexo e sobrevive com a ajuda do namorado desempregado e da mãe. “Mesmo com a mudança de documentos, tenho dificuldade de entrar no mercado. Quando cheguei em uma seleção, informaram que iriam chamar, mas isso nunca aconteceu”, lamenta.
Os desafios vividos por Lorena são uma realidade para pessoas LGBTI+ em Pernambuco. A discriminação a essa parcela da população é comum. Mulheres transgênero e homens gays com trejeitos femininos são os mais afetados pela impossibilidade de ocultar a identidade de gênero ou orientação sexual.
“A realidade é que estão completamente desacobertadas e não têm acesso às políticas públicas para ingressarem de fato no mercado de trabalho. Pessoas trans têm ainda mais dificuldades em conseguir emprego não por não terem a qualificação, mas, sim, porque as empresas perpetuam esse preconceito.”, aponta Kariana Gueirós, advogada da ONG Gestos.
De acordo com o levantamento Demitindo Preconceitos, da empresa de consultoria Santo Caos, 38% das empresas afirmam que não contratariam pessoas LGBTI+ e 61% dos funcionários LGBT no Brasil escolhem esconder de colegas e gestores a própria sexualidade. Já a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais aponta que 90% desta população está na prostituição.
“Quando conseguimos fazer a seleção, o fato de a gente ser o que é, eles não nos empregam. E quando entramos, até a utilização do banheiro é motivo para dificultar a permanência, porque muitas empresas não têm sensibilidade”, afirma a assessora técnica da coordenadoria LGBTI+ do Governo de Pernambuco, Natasha Rios.
A assistente administrativa Karla Dias, 28, chegou a ser chamada para entrevistas. “Antes de ser retificada [mudar o nome na documentação], fazia os testes e quando entregava a documentação com o nome masculino e eles viam que minha aparência é feminina, automaticamente diziam que a vaga foi preenchida ou que iriam me ligar”, conta.
Hoje, Karla paga o aluguel de R$ 300 no bairro de Dois Unidos graças ao trabalho no Centro de Referência em Cidadania LGBT, responsável pela assistência à comunidade. Atento à invisibilidade de grupos LGBTI+ no mercado de trabalho, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-PE) promoveu um seminário sobre o tema na última semana.
Para quem já está empregado, a situação também é difícil. Há seis meses, a técnica de enfermagem Maria, 34 anos, que pediu para não ter o nome divulgado por temer retaliação, foi alvo de constrangimento profissional por causa da sexualidade. Casada há 11 anos com outra mulher, se viu impossibilitada de exercer os cuidados médicos com uma paciente porque a mãe da criança informou à gestão da unidade que não se sentia confortável com ela realizando os cuidados íntimos da filha. “É algo que me afeta até hoje, não consigo digerir. Quando tenho que realizar um procedimento, sempre peço para ter uma colega do meu lado, até para me resguardar”, relata a técnica.
Para a co-deputada do mandato Juntas Robeyoncé Lima, o âmbito público pode ser uma porta para a empregabilidade LGBTI+ e deve ser considerado. “Com essa tendência à privatização de serviços públicos, podemos ver a possibilidade de trazer alguma obrigatoriedade, no sentido de inclusão e diversidade para a empresa que se propõe a fornecer o seu serviço para o Estado no processo de licitação ou de pregão. É uma inserção não direta, mas indireta de intervir nessa questão”, observa a advogada.
Robeyoncé é uma das três únicas deputadas transgênero no Brasil e fala sobre a urgência de uma mudança estrutural no País. “A gente ‘tá’ lá, já é uma didática. O corpo da gente é político.”